Um experimento social dentro da sala de aula
Quando a equipe de produção resolveu filmar documentário em duas escolas de Los Angeles, o objetivo era direto: colocar câmeras, microfones e, principalmente, smartphones nas mãos de adolescentes que já nasceram com a internet correndo nas veias. Diferente de reality shows que buscam drama artificial, a proposta era mais íntima – os jovens concordaram em compartilhar tudo, desde mensagens de grupo no WhatsApp até os vídeos que postam no TikTok. O resultado é uma cronologia aberta, dia após dia, do que significa ser “nativo digital” em um mundo que, ainda que ainda em fase de adaptação, já tem a tecnologia como primeira linguagem.
O período de filmagem coincidiu com o retorno às aulas presenciais depois da pandemia. Em 2021‑2022, as escolas ainda carregavam o peso das aulas híbridas, e os jovens, ao mesmo tempo, reforçavam laços virtuais que se tornaram essenciais para a sobrevivência social. Essa dualidade – o corredor da escola ao lado da tela do celular – cria um pano de fundo rico para analisar como a pandemia acelerou a integração digital na adolescência.
Temas que surgem sem filtro
A série coloca na mesa questões que costumam ficar nos bastidores das conversas familiares. Entre elas, o cyberbullying surge como um fantasma constante; notificações de mensagens de ódio ou de exclusão aparecem no feed dos jovens como parte do cotidiano. Um dos adolescentes, de 17 anos, descreve a sensação ao receber um comentário “tóxico” depois de postar um vídeo de dança no TikTok: "É como se o mundo inteiro me julgasse num segundo, e você não tem como fugir, porque a tela está sempre lá".
Outros tópicos são igualmente impactantes: os padrões de beleza impostos por filtros e retoques, a pressão constante de se comparar com vidas aparentemente perfeitas e o peso de decisões que, antes de ser uma escolha adulta, já afetam a identidade dos jovens. A série aborda ainda episódios de racismo digital, onde algoritmos e tendências virais reforçam estereótipos, bem como a descoberta da própria sexualidade num ambiente onde o “like” pode ser tanto aceitação quanto exposição indesejada.
Para organizar esses temas, a produção usa recursos narrativos que incluem:
- Entrevistas individuais gravadas em ambientes íntimos, como quartos decorados com pôsteres de ídolos da internet.
- Momentos de grupo, onde as dinâmicas de amizade são mostradas em salas de aula, corredores e, claro, nos chats de grupo.
- Sequências de tela que revelam a realidade por trás dos stories: mensagens que nunca seriam postadas, mas que contam muito sobre inseguranças e desejos.
Ao destacar as plataformas TikTok, Instagram e Snapchat, a série demonstra como cada app cumpre um papel diferente na vida dos adolescentes. O TikTok, por exemplo, funciona como palco de performance, onde a criatividade e a necessidade de viralizar se cruzam. O Instagram ainda carrega a antiga lógica de curadoria estética, e o Snapchat se tornou o espaço de mensagens efêmeras, quase como um diário que desaparece logo depois de lido.
A produção não se limita a apontar problemas; ela também mostra estratégias de resistência. Grupos de apoio surgem dentro das escolas, professores iniciam debates sobre o uso saudável das redes e pais aprendem a dialogar com seus filhos sobre limites digitais. Em um episódio, um professor de sociologia propõe um exercício de “detox digital” durante uma semana, gerando reações variadas: alguns estudantes sentem alívio, enquanto outros descrevem ansiedade ao ficar sem notificações.
O impacto da série vai além da tela. Educadores têm utilizado trechos como material didático em aulas de ética e cidadania digital. Políticos e órgãos governamentais, ao assistirem ao conteúdo, começaram a considerar regulamentações mais claras sobre a privacidade de menores nas plataformas. E, claro, pais que assistem ao programa relatam mudança de postura ao perceberem que seus filhos não são apenas “vítimas” da tecnologia, mas também agentes ativos que moldam seu próprio espaço virtual.
Um ponto de atenção constante na série são os avisos de conteúdo sensível. Sequências com luzes piscantes foram sinalizadas para evitar crises em pessoas fotosensíveis, refletindo o cuidado da produção em não reproduzir o próprio perigo que alguns formatos de mídia podem gerar.
Em suma, o documentário funciona como um espelho que reflete não apenas o jeito que adolescentes se relacionam com os aparelhos, mas também como a sociedade precisa repensar o conceito de infância e adolescência na era digital. Cada episódio abre portas para conversas necessárias, reforçando que, embora a tecnologia seja inevitável, o modo como a utilizamos ainda está em construção.
Ayrton de Lima
setembro 27, 2025 AT 10:35Essa série não é só um documentário - é um manifesto antropológico sobre a geração que nasceu com o algoritmo como berço. Eles não usam redes sociais; elas os usam. A perda de autenticidade não é um efeito colateral, é a arquitetura. O TikTok não é entretenimento, é um campo de batalha onde a autoestima é negociada em segundos e a validação é uma moeda hiperinflacionária. O Instagram virou um museu de máscaras perfeitas, e o Snapchat? Um confessionário digital onde ninguém se arrepende porque tudo some antes da culpa chegar. E o pior: ninguém mais sabe o que é silêncio. A pandemia não acelerou a digitalização - ela apenas expôs que a adolescência já estava morta há anos, enterrada sob notificações e filtros de rosto.
Luís Vinícius M C
setembro 28, 2025 AT 14:43Mano, vi esse documentário e fiquei com a alma pesada. Meu irmão de 15 anos tá exatamente nesse mundo aí. Ele passa mais tempo no celular do que na escola, mas não é por preguiça - é porque é onde ele se sente visto. A gente como pai e mãe tá perdido, sabe? A gente tenta ser legal, mas a gente também não entende nada disso. Foi só depois que vi esse filme que comecei a olhar pra ele de outro jeito. Não é um viciado, é um sobrevivente.
Iara Rombo
setembro 29, 2025 AT 10:59Observar a construção identitária digital em tempo real é um laboratório sociocultural sem precedentes. A performance performática da adolescência contemporânea revela uma hiperconsciência do olhar alheio que reconfigura o ego antes mesmo da formação do superego. A pressão por viralidade não é uma escolha - é uma condição ontológica. O corpo, antes espaço de pertencimento, tornou-se um medium de consumo algorítmico. E o que mais me intriga é como a escola, instituição tradicionalmente hierárquica, se tornou o único espaço físico onde a rede ainda não domina completamente - e mesmo assim, é ali que os alunos desaceleram, respiram, e se lembram de que existem além da tela.
Cheryl Ferreira
setembro 29, 2025 AT 13:25Como educadora com 22 anos de sala de aula, posso afirmar com segurança: esse documentário é um guia essencial para qualquer profissional da educação. Não se trata de proibir ou medir o tempo de tela - trata-se de entender que a linguagem digital é a nova gramática da convivência. Os alunos não estão ‘distraídos’; eles estão navegando em um novo código social. O exercício de ‘detox digital’ proposto pelo professor não é uma moda passageira - é uma intervenção pedagógica necessária. A ansiedade que os alunos relatam ao ficar sem notificações é a mesma que sentimos quando perdemos o sinal de um idioma que aprendemos desde a infância. Precisamos ensinar a ler o mundo digital como se lê um poema - com atenção, respeito e crítica.
Laís Norah
setembro 30, 2025 AT 16:36Eu não chorei. Mas fiquei quieta por 20 minutos depois que terminei. Não sei se é porque me vi neles, ou porque vi meus alunos. Ou os dois. A gente acha que os jovens são frágeis por causa das redes. Mas não é isso. Eles são fortes. Eles carregam o peso de um mundo que não pediu permissão pra existir - e ainda assim, tentam ser gentis. Eu só queria que mais adultos soubessem disso.
Thaiane Cândido
outubro 2, 2025 AT 12:44Se vocês acham que o problema é o TikTok, estão errados. O problema é o algoritmo que prioriza dor sobre emoção, e viralidade sobre humanidade. O que vemos aqui é o resultado de um sistema que monetiza a vulnerabilidade. E os jovens? Eles não são vítimas - são engenheiros de sobrevivência. Eles criam comunidades de apoio porque o sistema falhou. O professor que fez o detox digital? Ele é o herói invisível da educação do século XXI. Mas atenção: se você acha que basta colocar um ‘não use celular na escola’, você não entendeu NADA. A geração Z não rejeita a tecnologia - ela rejeita a hipocrisia. Eles querem espaço, não proibição. Querem diálogo, não controle. E se você não está disposto a ouvir o que eles têm a dizer, então você não está ajudando - você está apenas repetindo os erros da geração anterior.